O que eu procurava

Preciso enlouquecer. Minha cabeça pensa demais. Eu fico confuso na maior parte do tempo. Dizem que sou louco só porque quero enlouquecer. Como posso ser louco se não enlouqueci ainda? Tenho passado os últimos dias procurando alguém. Alguém para enlouquecer comigo.

Não tenho carro. Vou para todos os lugares a pé. Sempre vejo as mesmas pessoas na rua. O mesmo porteiro aguando a calçada. As mesmas pessoas caminhando, mas, em especial, há uma pessoa que me incomoda mais; que eu fico todo o meu trajeto pensando nela.

Nunca nos falamos. O ipod dele me irrita. Sempre passa ouvindo a mesma música alta, que dizia algo como "você tem que deixar sua mente bem aberta" Essa música não saía da minha cabeça. Eu pensava nele todos os dias. Eu podia arrancar aqueles fones do ouvido dele, mas, aí, eu pareceria louco. Não quero parecer, eu quero ser e, para ser, necessita-se, hoje em dia, ser ao extremo. Exageradamente. Assustar as pessoas já assustadas.

Fico treinando em casa, de frente pro espelho, que caras fazer ao passar do lado dele. Em que ângulo eu fico bonito. Como andar. Como puxar assunto. Estava neurótico, ao ponto de minhas mãos gelarem, meu coração pulsar forte, minhas pernas bambearem e eu achar que meu cabelo estava bagunçado. Em um dia de sol escaldante, eu sentia frio de ansiedade ao passar ao lado dele.

Acordei em um sábado de manhã com minha cabeça doendo, com o som tocando uma música que dizia "você tem que deixar sua mente bem aberta", e não lembrava de nada da noite anterior. Absolutamente nada. Decidi caminhar um pouco. Ver o parque, os pássaros, o sol escaldante, o porteiro, as pessoas que eu conhecia - mesmo sem conhecer. Estavam todos lá. Como sempre. Menos ele. E eu fiquei pensando o porquê, onde e o que ele estaria fazendo.

Voltei para casa e, em cima da mesa, tinha um ipod. Estranho, porque eu não tenho ipod. Engraçado que o ipod estava tocando uma música alta. A mesma música de manhã. A mesma música de sempre. Depois que ele desapareceu, só o vejo quando olho no espelho.